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cronoletes

1754, 1772

1754 – “Notícia Breve” do Eng. Miguel Ângelo Branco, de passagem ao que se referiu como “Porto de Viamão”

“A povoação é um arroio (aglomerado) de casas de palha, habitada de casais de ilhas e é bastante fértil”.

1772 – março, 26 – Separação de Viamão, data oficial de fundação da cidade, vindo a denominar-se Nossa Senhora de Madre de Deus de Porto Alegre no dia 18.01.1773.. A emancipação , entretanto, só se daria em 11 de dezembro de 1810.

Em 26 de março de 1772, um edital eclesiástico divide a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão em duas. O antigo Porto dos Casais se transforma na Freguesia de São Francisco. Quase um ano depois, em 18 de janeiro de 1773, um novo edital rebatiza a pequena povoação, que passa a se chamar de Madre de Deus de Porto Alegre. O então o governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, José Marcelino de Figueiredo, ordena a transferência da Câmara Municipal de Viamão para Porto Alegre. A antiga colônia açoriana se transformava na capital da província. Além de centro administrativo, a cidade se transforma em área militar. Paliçadas de madeira são construídas em torno da cidade. As estreitas ruas da Porto Alegre colonial são projetadas como um labirinto, possuindo nítido caráter defensivo. A modesta capital prospera e, em 1804, a Coroa Portuguesa instala a primeira alfândega do rio grande do Sul

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A primeira paróquia de Porto Alegre: Nossa Senhora Madre de Deus (1772-1940)

Monsenhor João Maria Balém


BALÉM, Monsenhor João Maria Bento. A Primeira Paróquia de Porto Alegre: Nossa Senhora Madre de Deus (1772 -1940). Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1941.


Cultura Religiosidade Arquitetura Bairro Centro

Localização: Biblioteca Walter Spalding, AHPA


1773 – julho, 25 – Transferência da Capital de Viamão para Porto Alegre.


Sobre o nome de Porto Alegre (1)

Juremir Machado em 26 de março de 2010

Conta a lenda que José Marcelino de Figueiredo teria decidido chamar nossa Porto dos Casais de Porto Alegre num dia em que estava muito triste, morto de saudade da terrinha, o seu Portugal amado de onde tinha saído meio na corrida, graças a uma mãozinha do poder e à pressão, por outro lado, dos que queriam acertar algumas contas com ele. Não se pode eliminar facilmente a soma de deliciosos enganos e desencontros que ajudaram a construir a nossa sólida e “mui” valorosa e leal identidade. Ao que consta, Figueiredo, como bom português, era um saudosista, um nostálgico, que, se tocasse algum instrumento, teria, quem sabe, inventado o fado, salvo se, contaminado pelas relações com os espanhóis e com a cultura do Prata, tivesse antecipado o tango. O gajo gostava de sonhar com “fatos do seu passado”, conforme a objetiva expressão do historiador Walter Spalding (1967, p. 55). Lembrava-se de Portalagre, localidade do Alto Alentejo, de origem romana, cantada em prosa e verso, ao que parece topograficamente semelhante a Porto Alegre. O mais relevante ponto em comum entre Portalegre e Porto Alegre era o gosto por entreveros com espanhóis. No final do século XVIII, Portalegre vivia de matar espanhóis abusados em intermináveis guerras de fronteiras. Conhecemos esse filme. Spalding chega a citar uma expressão que se tornaria decisiva em nossa cultura. Segundo ele, Portalegre era “um marco de defesa”, uma “espécie de ‘tranqueira de Portugal’ na fronteira alentejana” (1967, p. 56). Tudo se associa: de tanto combater espanhóis, herdamos de Portalegre o nome meio estropiado e gosto pelos ferrolhos (tranqueira). Deve ser daí que vem, cientificamente, o nosso estilo de jogar futebol baseado na retranca e no gosto por massacar uruguaios e argentinos a botinadas. Nada como a pesquisa histórica para alcançar a origem das coisas! A astróloga Zora Yonara, que durante muito anos profetizou nas telas gaúchas, pronunciava Portalegre, em lugar de Porto Alegre, para escárnio geral. Não estava completamente errada. Talvez, em outra encarnação, tivesse sido também corrida de Portugal. O certo é que José Marcelo de Figueiredo, que não era de Portalegre, mas a admirava e amava, resolveu batizar nossa Porto dos Casais, de onde também não era, mas pela qual também se apaixonou, de Porto Alegre. Marcelino era como um amante que chama a próxima amada pela nome da ex. Assim, no bom estilo da dor de cotovelo, Porto Alegre já nasceu de uma saudade e de uma vontade de provocar os hermanos que nos cercavam (e cercam) por todos os lados. Assim como o Guaíba é um lago chamado de rio, embora não passe de um estuário, O Rio Grande é uma “ilha”, mesmo que se finja de continente. Vivemos de (des)enganos. No capítulo das controvérsias de historiadores sobre quem foi o verdadeiro fundador de Porto Alegre, matéria por demais árida para ser tratada aqui, pode-se com certeza afirmar que José Marcelino de Figueiredo não foi José Marcelino de Figueiredo. Mas Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda, nascido em Trás-os-Montes. Portanto, Porto Alegre foi batizada por um pseudônimo. A história é simples. o capitão Sepúlveda, nobre (um mauricinho da época) matou um oficial inglês que teria insultado Portugal e seu reino. Bom patriota e bom súdito, Sepúlveda apagou o oponente. Segundo as más línguas, o motivo era outro: um rabo de saia, o mais universal e intemporal motivo para um acerto de contas. Talvez o único realmente importante. As fortes relações econômicas e políticas entre Portugal e Inglaterra exigiam a punição do assassino. Mas Portugal não queria perder um bom filho da elite nem brigar com a Inglaterra. As razões econômicas, as mesmas que nos fazem, hoje, bajular o FMI, levaram os portugueses a propor uma saída. Mandaram Sepúlveda para o Brasil com o nome de José Marcelino de Figueiredo e uma promoção, o posto de coronel. Estava inventado o jeitinho. Com isso, Porto Alegre tornou-se Porto Alegre e capital da Capitania de São Pedro pelas mãos de um assassino e foragido, mas sob proteção das nações e das autoridades que deveriam persegui-lo e condená-lo. O caso de José Marcelino de Figueiredo inaugurou um estilo que seria a nossa marca: quando dá não para punir, promova. Figueiredo era bom homem que virou general e, conforme Spalding, morreu “serenamente”, em Lisboa. Com saudades de Porto Alegre. Os açorianos que vieram povoar Porto Alegre não fizeram jus ao nome do arquipélago de onde partiram por causa do excesso populacional: Açores, proveniente de “açor”, ave de rapina, da família dos falcões, que, em grande quantidade, viviam e predavam na região. Ao contrário, foram colonizadores de boa índole e de muito trabalho. É bem verdade que os “açores” podiam ser domesticados e eram úteis na caça. Aqui, os açorianos foram boas presas para a agricultura. Continuaram prolíficos. Já os bandeirantes, que desceram para estas bandas, até podiam ser chamados de aves de rapina. Contudo, Jerônimo de Ornelas, por alguns considerado o “fundador” de Porto Alegre, embora fosse um “açor”, era descendente, segundo Spalding, “da melhor gente da Ilha da Madeira” (1967, p. 23). Podia ter sido, por isso, com seus parceiros de Laguna, um bom Capitão de Mato. Ornelas, de resto, incomodado pela chegada dos casais açorianos, que se intrometeram em seu porto (Porto do Dornelles ou Porto de Viamão), vendeu as suas terras e, nesse sentido, derrotado foi viver em Triunfo. Na realidade, Ornelas enfrentou a primeira reforma agrária do Rio Grande e não gostou. Teve suas terras desapropriadas para a instalação, justamente, dos casais açorianos. Vale lembrar que o Arquipélago dos Açores recebeu muita gente do Alentejo. Talvez por isso José Marcelino de Figueiredo tenha se dado melhor em Porto Alegre. Sérgio da Costa Franco (1988, p. 295) assegura que Ornelas nada teve a ver com a fundação de Porto Alegre, embora seja impossível falar das origens da capital gaúcha sem citá-lo. No recuo estratégico, ele fundou o povo de Bom Jesus do Triunfo. Como se vê, Porto Alegre é o fruto de uma trama espontânea bem mais contraditória do que percebem os nossos bons positivistas. O acaso é sempre mais divertido do que a coerência a posteriori da História. Ao menos, aos olhos de um cronista sem compromisso com a verdade histórica. Porém, sem obrigação de cometer ficção.


Sobre o nome de Porto Alegre (2)

Até mesmo os casais que primeiro chegaram ao Rio Grande, vieram por engano. Melhor, por precipitação. Mais ainda, por bajulação. Depois do Tratado de Madri, de 1750, o governo metropolitano resolveu povoar o sul do Brasil e ordenou ao governador de Santa Catarina, Manoel Escudeiro de Souza, que enviasse para Viamão parte dos casais que não tardariam a desembarcar dos Açores. O puxa-saco Escudeiro resolveu se adiantar e exportou para cá, em abril de 1751, uma leva de casais já assentados, desterrando-os de Desterro. Todo contente, Escudeiro escreveu ao rei para anunciar sua façanha. O monarca ficou tiririca. E tinha razão. Os desterrados, insatisfeitos, espalharam-se pelo interior da província. Só com a leva seguinte, dos recém-chegados ao Brasil, é que a implantação funcionou. Como se vê, algumas das nossas mais resistentes características, mesclando “garra”, generosidade, hipocrisia, esperteza e malícia parecem já estar aí nesses momentos fundadores: retranca, jeitinho, promoção e bajulação. Spalding, sem má intenção, deu margem para teorias chauvinistas gaudérias ao dizer que o contrato estabelecido pela Coroa com Feliciano Oldenberg impunha a remessa de “gente apta para o trabalho” (1967, p. 30), gente moça, sadia, forte. Santa Catarina, porém, recebera velhos, enfermos e aleijados. Porto Alegre, em contrapartida, teria sido brindada com “famílias escolhidas”. Hum… Escudeiro seria o primeiro “Manezinho”, mandando os melhores para cá e ficando com os piores por lá. Até que Guga veio desmentir essa teoria racista por descuido e obviedade: gostamos de puxar a brasa para o nosso churrasco. A história popular é feita de maravilhosas falsas interpretações. Há quem jure que na Praia de Belas, num passado mítico não muito distante, em torno da época da chegada dos casais povoadores, viviam deusas extraordinárias, açorianas líndissimas que caminhavam até o rio, rasgando as roupas de tanta saudade de um Oceano longínquo. Daí, obviamente, teria vindo o nome Praia das Belas, depois Praia de Belas. A expressão, contudo, só apareceu no século XIX e por causa de um barbado: Antônio Rodrigues de Belas, dono de uma linda chácara no lugar. A verdade é que as belas só chegaram com o Shopping. O próprio amor por Porto Alegre exigiu um certo empurrão no começo. Quando José Marcelino de Figueiredo transferiu a capital de Viamão para Porto Alegre os vereadores fizeram-se de desentendidos e não se mudaram, ignorando a convocação do governador. Passado um mês, Figueiredo, bom malandro, mandou-se chamá-los com urgência, deu-lhes um chá de banco e recebeu-os à noite, no palácio, cujo portão era fechado depois das 22 horas. Gentil e democrático, José Marcelino deu-lhes a possibilidade de escolha: “Mandei chamá-los para saber se querem ou não mudar-se para esta nova capital. E se não quiserem, desde já deixo-os presos até que se resolvam a atender minhas ordem” (Figueiredo apud Spalding, 1967, p. 59). Todos, de bom grado, aceitaram. Porto Alegre, então, pôde contar com uma Câmara de vereadores leais e dedicados à capital. Tanto é assim que o Vice-Rei, Marquês de Lavradio, elogiou o despreendimento dos nossos primeiros políticos: “Louvo a obediência com que prontamente executaram a ordem que lhes dirigiu o Governador desse continente mudando a residência da Câmara para a nova Vila de Nossa Senhora Madre de Deus” (Apud Spalding, 1967, p. 59). Os edis ficaram comovidos com o reconhecimento das altas autoridades. E continuaram obedientes e solícitos. O nome Nossa Senhora Madre de Deus, da preferência do beneditino Dom Antônio do Desterro, que assinou a autorização de criação da Freguesia de Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, não pegou, talvez por ser comprido demais. De qualquer maneira, era a soma de duas paixões pessoais, a do religioso por Maria, embora neste caso seja uma paixão de toda uma ordem, e a de Figueiredo pelas glórias da sua terra. Outra vez, as péssimas línguas insinuam que Figueiredo fora apaixonado por uma bela alentejana de Portalegre, talvez o motivo de sua briga com o inglês que teve de apagar. Porto Alegre, em resumo, seria o resultado de uma paixão mal resolvida. É dessa evolução histórica linear e coerente que surgem os três tipos característicos da Porto Alegre atual: os porto-alegrenses “de dentro”; os “de fora”; e os “de cima do muro”. Os “de dentro”, nascido em Porto Alegre, praticam um amor comedido e sem grandes arrancos ou declarações. Os “de fora”, vindos, principalmente, do Interior, são vítimas da lógica da paixão, dividindo-se entre o amor doentio e o ódio quase nunca justificado. Os “de cima do muro” são muito chatos e tentam encontrar equilíbrio onde só tem sentido a divisão e a oposição binária. Porto Alegre é como a dança da chula: um duro equilíbrio de pernas antagônicas e complementares. De tanto brigarmos contra os “hermanos” pelas nossas fronteiras, adquirimos o hábito da relação antropológica fundamental dentro/fora. Depois que as culturas do Prata deixaram de ser importantes para nós e que viramos às costas ao Pampa, elegemos o Brasil — de resto, os farroupilhas já tinham feito o mesmo — como o novo pólo do “fora”. Passamos nosso tempo medindo nossas forças com os de “fora”. Oscilamos entre o megalomania e o complexo de inferioridade. Ora somos muito superiores a todos os de “fora”, ora vibramos por ser reconhecidos pelos de “fora”, ora uivamos de raiva por causa do desprezo dos de “fora”. Os “de cima de muro” têm os seus momentos de síntese gloriosa e afirmam que Porto Alegre é o caso universal mais eloqüente de província cosmopolita: os “de fora” podem tornar-se totalmente “de dentro”. Uma prova disso seria José Montaury, um dos mais longevos administradores de Porto Alegre. Nascido em Niterói, positivista de carteirinha, Montaury governou a capital gaúcha durante 27 anos, até que a Revolução de 1923 acabou com as reeleições. Ao deixar o posto, Montaury levava nos bolsos 400 mil réis, o salário do mês nada mais. Vem de longe a mania gaúcha de fazer política com honestidade. Mesmo quando se trata de um “de fora”, predomina a ética dos “de dentro”. Montaury tinha lá suas posturas bizarras, conforme relata Walter Spalding: nunca teve dinheiro em banco, ficou solteirão e gastava o pouco que ganhava com menores abandonados. Hoje, certamente, recusaria cartão de crédito e cheque especial. Montaury atuava no estilo cauteloso que se tornaria a marca gaúcha, até em futebol, depois de passada a moda das “gravatas coloradas”. Era um estilo Celso Roth, sem arroubos, sem grandes obras, sem endividamentos, com muitos volantes e poucas jogadas pelas extremas. De certa forma, o Partidos dos Trabalhadores, com sua política ortodoxa de só gastar o que arrecada, não se afastou muito desse primado positivista do equilíbrio das contas. Nosso lema parece mesmo ser: o melhor ataque é a defesa.

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