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2010, Publicação de Revolução Farroupilha: Legitimação e separatismo nos Manifestos de 1835 e 1838

Links úteis:

Revolução Farroupilha: legitimação e separatismo nos Manifestos de 1835 e 1838:

Site História do Rio Grande:


Lenço usado pelos Farroupilhas


O Rio Grande do Sul, antes do advento da Revolução Farroupilha, dividia-se entre partidários do sistema federalista e centralizadores, no campo político. Havia ferrenha luta pela organização de uma monarquia, após a abdicação de Pedro I, em moldes liberais e federativos. Na economia, predominavam a atividade pecuária, cuja produção servia para abastecer o mercado centro brasileiro de carnes (na forma de charque) e produtos derivados (sebo, couro e graxa). Esta mono-atividade que atendia somente ao mercado interno, que por sua vez também era calcado majoritariamente em uma monocultura agro-exportadora (o café), acabara tornando a economia sul-rio-grandense muito frágil e extremamente dependente do desempenho econômico do centro do país. Se o Brasil situava-se como periferia do mundo, o Rio Grande do Sul poderia ser considerado “a periferia da periferia”. Outros fatores somavam-se para a delicada situação econômica sul-riograndense. O regime escravocrata encarecia e impunha limites ao processo produtivo. Somando-se a isso, os produtos pecuários encontravam forte concorrência dos produtos platinos, estes mais baratos por serem obtidos a partir de trabalho assalariado e por empregarem técnicas mais avançadas que os vizinhos brasileiros e também – talvez principalmente – pela falta de apoio tarifário por parte do governo central, esperado na forma de taxar e sobretaxar o produto

platino e conceder facilidades no comércio do sal nordestino, produto essencial na atividade charqueadora . A soma de todos estes fatores, mais alguns pontuais à época do início do movimento, seriam usados pelos revoltosos para justificar a eclosão da Revolução Farroupilha. Dois documentos vinculados à história da revolução, os manifestos farroupilha de 1835 e de 1838, apresentam justificativas para o movimento do dia 20 de setembro de 1835. Neles, encontramos as explicações declaradas dos revoltosos, porém, ambos apresentam tons diferentes no discurso referente à legitimação e o caráter de separatismo do movimento.



Proclamação da República Piratini - Antonio Parreiras, 1915


O Manifesto de 1835, assinado por Bento Gonçalves e divulgado em 25 de setembro do mesmo ano, tem um tom mais ameno e posiciona-se, enfaticamente, contrário ao separatismo. Ao longo do documento, assinala várias vezes a inaptidão, corrupção e os desmandos do presidente da província, o que justificaria sua derrubada do poder alegando os Direitos das Gentes. Aliás, estes mesmos direitos são evocados em outras tantas passagens, entre elas a que julga legítimo levar a missão a cabo por afastar “um administrador inepto e faccioso” pelo “braço poderoso de um povo irritado” ou seja, o objetivo prático maior dos rebelados era tão somente tirar do poder Antônio Fernandes Braga, então presidente da província. Neste manifesto, os farroupilhas recusam veementemente a pecha de separatistas, atribuindo a acusação ao governo da província ao qual combatiam. Exaltavam seu amor à pátria e fidelidade à Constituição que juraram, e seu compromisso com a conservação da integridade do império brasileiro, apesar de considerarem a Carta Magna, naquele momento, como “letra morta” e as “vias legais, obstruídas” pela arbitrariedade do governo da província – somada à apatia do governo central. A reação armada era, pois, justificada não só pelas garantias asseguradas nos Direitos das Gentes como também em virtude de terem sido os sul-rio-grandenses aqueles que sempre lutaram pelo Brasil, jamais contra o Brasil. O fato de terem lutado contra o inimigo externo legitimava agora a reação contra o que consideravam os inimigos internos da pátria, os facciosos, aqueles que conspiravam contra o estabelecimento de um estado liberal e iluminado . Usa igualmente, do mesmo artifício do qual foi alvo, desta vez para atacar o governo da província, acusando-o de recrutar e armar estrangeiros para lutar contra os compatriotas. Finalmente, elenca vários fatos e episódios que também justificariam a ação armada, como gastos exagerados, a violação da garantia do habeas corpus, as remoções dos contingentes bélicos dentro do Rio Grande de maneira injustificada, as promoções de oficiais da chamada “extinta segundalinha” em lugar dos altos oficiais anteriores, etc.


Guilherme Litran, Carga de cavalaria Farroupilha, acervo do Museu Júlio de Castilhos.


No Manifesto de 1838, o tom harmonizador e de respeito à integridade do império e o caráter conciliatório, dão lugar a um discurso mais duro, de ruptura com o Estado Nacional Brasileiro. O Manifesto principia com a defesa da liberdade da República Rio-grandense e a iguala a todos os estados soberanos e livres, afirmando não submeter-se à nação ou potência alguma, mas apenas ao código das nações . Para legitimar o status de nação livre e soberana, equipara seus feitos aos semelhantes das nações americanas frente ao jugo das potências européias colonialistas , para a seguir citar todas as injustiças e motivos de que o Rio Grande do Sul teria sido vitimado pelo império brasileiro. Torna a dizer, como em 1835, mas de maneira mais enfática, das participações nos conflitos militares, como contra a Argentina, em que eram “o braço direito e também a parte mais vulnerável do Império. Agressor ou agredido o governo nos fazia sempre marchar à sua frente (…) longe do perigo dormiam em profunda paz as mais Províncias” . Acusa o calote que teria dado o governo central, tanto das compensações de guerra quanto dos empréstimos a Santa Catarina e São Paulo , por exemplo. Reiteram as queixas sobre as taxas e sobretaxas que pagam nas alfândegas do país, o que teria esmagado a principal indústria da província. O Manifesto prossegue dando conta dos motivos econômicos e políticos da emancipação, fala do equívoco que foi confiar na esperança conciliatória do governo imperial após os farroupilhas deporem o presidente do Rio Grande, e receberem em represália uma tentativa de “aniquilação” da província, no caso de não poder sujeitá-la à obediência . Acusa o Império de ingerência nos assuntos da República do Uruguai, sob a alegação de que a Corte do Rio jamais renunciou sinceramente à Cisplatina , – em uma tentativa de conquistar a simpatia e o apoio do país vizinho – e de outros tantos delitos, desde o roubo de bens pertencentes à província pelo então presidente quando de sua fuga, além da transgressão dos Direitos das Gentes, “violando uma solene suspensão de armas.” Legitima-se, deste modo, a república instaurada como forma de impor-se ao universo de total arbitrariedade formado desde a chegada do substituto ao governo provincial, pois alegava-se que este não havia prestado “o indispensável juramento e tomar posse de seu cargo, e ilegalmente a toma na Câmara Municipal da Cidade do Rio Grande, com ofensa de um artigo da Constituição Política do Estado” ou seja, criando um ato inconstitucional. Como agravante, o novo governante decreta a dissolução da Assembleia Provincial, e “proclama a guerra contra ele e contra o povo que o sustenta” .



A violação dos Direitos das Gentes é mais veementemente denunciada pelos farroupilhas no Manifesto de 1838. Prisão e execução de parlamentares, degolamentos de combatentes “aos quais a convenção do Fanfa havia anistiado ” e com o agravo de serem portadores de salvo-conduto, além de toda sorte de insultos, assassínios, roubos, perseguições e prisões onde os detentos padeciam de fome e outros martírios.


Todas as afirmações e justificativas sublimavam que a guerra não tinha sido desejada pelos farroupilhas, mas antes provocada ao extremo pelo governo provincial com a inicial apatia e, mais tarde, conivência do Império. No final do documento, os revoltosos afirmam que, esgotadas as esperanças de chegarem a uma conciliação com o governo imperial, não tiveram eles outra alternativa a não ser a guerra e a separação, ou seriam fatalmente aniquilados. Prometem, contudo, formarem uma nova federação caso outras províncias seguissem o mesmo caminho libertário .


Estava decretado o caráter irrevogável do separatismo na frase final do documento, onde se afirma que os rio-grandenses não aceitariam do governo do Brasil uma paz “que possa desmentir a sua soberania e independência.”


Em comum nos dois manifestos, as denúncias episódicas e factuais como justificativas do combate, mas sobretudo a constante defesa dos Direitos das Gentes, ainda que no de 1835 estes sejam majoritariamente evocados como o direito de derrubar o governante que não aspira às necessidades de seu povo e, no de 1838, com as denúncias de violação de vários daqueles direitos por parte do governo, primeiro, convenientemente distinguindo atos do governo provincial com o governo imperial (1835), depois estabelecendo a ambos como cúmplices e co-responsáveis pelas atrocidades e desmandos (1838). Defendem a unidade do país, a Constituição do Império e o Estado Liberal em 1835, num tom conciliador e patriótico, fato não repetido em 1838, onde as denúncias, as justificativas legitimatórias e a auto-afirmação como Estado livre dominam o manifesto. Por fim, o separatismo, negado e renegado no primeiro manifesto, é admitido e defendido no segundo, ainda que como ação última, mas assegurando-se da irrevogabilidade de sua independência, fato sequer cogitado em 1835.


Para saber mais


Livros:

ALVES, Francisco das Neves. Revolução Farroupilha: estudos

históricos. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande, 2004.


SPALDING, Walter. A Revolução Farroupilha. São Paulo: Cia Editora

Nacional; Brasília: Ed. da UNB, 1982.


Documentos:

COLETÂNEA DE DOCUMENTOS DE BENTO GONÇALVES DA

SILVA. Porto Alegre: Comissão Executiva do Sesquicentenário da

Revolução Farroupilha, 1985.





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