2009 – Um turista acidental registra suas impressões
Numa mesa próxima à nossa, atrás de nós, em relação à tela, havia dois senhores; quando a gente se sentou, eu até perguntei se eles não se incomodariam, e um deles disse com segurança que não atrapalharíamos nada. Enquanto o filme não começava, reparamos que um dos dois era alguém importante na área de cultura. Não dava para não reparar, porque havia praticamente uma fila de beija-mão junto da mesa dele. Depois conversaríamos com ele, e ele, uma figura simpática como praticamente todas as pessoas com quem falamos durante a viagem a Porto Alegre, em pouco tempo já nos tratava com se fôssemos velhos conhecidos.
Chama-se Pedro Costa. Um tipo interessantíssimo. Uns 65, talvez 70 anos, elegante, bem cuidado (embora beba muita cerveja e fume muito), desse tipo de gente rica e culta. Foi diretor de uma empresa que chegou a ter 50 cinemas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; uma empresa dele hoje, a Panda Filmes, é uma das responsáveis pela realização daquele festival que estava sendo inaugurado.
O amigo que estava com ele, Clóvis, é um técnico da área de som, que tem no currículo uma passagem pela Rádio Eldorado. Brinquei que fomos colegas da mesma empresa. Lá pelas tantas, esse Clóvis chamou o dono do restaurante para vir conhecer os jornalistas de São Paulo – embora tivéssemos insistido no fato de que somos mineiros radicados em São Paulo, até porque, dissemos, nós mineiros e eles gaúchos temos muita coisa em comum, como os fatos de que exportamos gente para todo lugar do país, temos uma grande projeção nas diversas áreas de cultura e dos dois Estados sai, modéstia às favas, um bando de gente que sabe escrever.
Foi uma gostosa conversa, até tardão; fechamos o bar. Na saída, já de madrugadão, o Pedro Costa nos acompanhou até perto do hotel; não que houvesse perigo de assalto ou coisa parecida – apenas por gentileza. E também porque ele mora por ali, no Centro da cidade. Ao contrário do que acontece em tanto lugar, a classe média de Porto Alegre não abandonou seu Centro.
Uma beleza de cidade, Porto Alegre. Mary e eu concluímos que, se em vez de belo-horizontinos, fôssemos porto-alegrenses, muito provavelmente não teríamos saído de nossa cidade.
Antes da viagem, eu tinha brincado com os amigos que talvez fosse ter dificuldades com a língua do povo daquele país estrangeiro. Sandro achou que eu deveria ter adotado a política protecionista do ‘brazilian buy’ e passar as férias no Brasil mesmo: “Para que engordar a receita turística de uma potência estrangeira? Já que não há alternativa, pelo menos coma-lhes a picanha.” Já o Valdir disse que eu não deveria ter problemas, pois o gauchês é simples: “linguiça é salsichão, PM é brigadeano, menino é guri ou piá, farol é sinaleira, estádio de futebol é cancha, lanchonete é lancheria. Carne moída, boi ralado. Helicóptero, avião de rosca.”
Bem, os preços cobrados na potência estrangeira não são absurdos, e a picanha é maravilhosa. Já a questão da linguagem é complexa, bem complexa. (E os exemplos dados pelo Valdir foram contestados por uma gaúcha legítima, Dininha Torres Luize, conforme se vê no belo comentário que vai aí abaixo.) No aeroporto, pouco antes de embarcar de volta para São Paulo, comprei o Dicionário de Porto-Alegrês, publicado pela gaúcha e porto-alegrense L&PM, atualmente na 14ª edição, revista e ampliada. O autor, Luís Augusto Fischer, vai logo explicando que existe o gauchês e existe o porto-alegrês – são coisas distintas.
Bah, tchê, e tu queres que a gente entenda aquele povo?
Março de 2009
Artigo postado em Sérgio Vaz e rotulada Comportamento, Música, Turista acidental. Acompanhe todos os comentários pelo RSS feed deste artigo. Postar um comentário ou deixar um trackback: Url do Trackback.
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