Já tô cansado deste texto, mas ainda falta falar das jóias da coroa na área cultural, o Theatro São Pedro e o antigo hotel Majestic, hoje Centro de Cultura Mário Quintana. Então vamos lá:
O Theatro São Pedro é o Municipal deles, só que mais velho: tem 150 anos de história e uma pré-história que remonta à década de 1820*. Foi aí que um grupo de ricaços encaminhou um pedido ao presidente da então Província de Rio Grande de São Pedro para que um terreno no Centro da cidade fosse cedido para a construção de um grande teatro. Vimos a reprodução da carta dos tais ricaços – dez pessoas, acho, que não apenas pediram um terreno como doaram uma grande quantidade de mil-réis para o início da construção do teatro. Ele foi inaugurado (ou começou a ser construído? um dos dois) em 1833. Está lá, bonitão, na Praça da Matriz, como já falei 37 laudas atrás. Na década de 70 e começo da de 80, foi inteiramente restaurado, de cima abaixo. Atualmente, há obras no entorno do teatro, para transformar o conjunto num multipalco que eles prometem ser “o maior complexo cultural da América Latina”. Eles são assim, os gaúchos; não deixam barato.
*Corrigindo o autor: 1858
Um anfiteatro, com uma concha acústica, já estava praticamente pronto, dando para a rua de trás do teatro, exatamente a Riachuelo, onde fica nosso hotel; nosso quarto dava direto para as obras.
No segundo piso do teatro, em cima do hall de entrada, dando para as árvores da Praça da Matriz, com uma bela varanda, há um bom, amplo café; ao fundo, um piano de cauda.
O interior do teatro é belíssimo, extraordinário, com vários andares de camarotes, todas as poltronas de veludo vermelho vivo. Parece (pelo que sei de ver fotos) um Scalla de Milão em miniatura. E num piso inferior tem uma exposição de fotos e painéis com textos contando a história do teatro. A uma mesa na entrada do salão de exposição estava sentada uma jovem gaúcha bonita – mais uma gaúcha bonita –, que se apresentou para nós como professora de História, à disposição para nos dar algum esclarecimento que se fizesse necessário. Dei uma reparada na professora: danada de bonita, uma cara sapeca, safada, uns 26 aninhos, toda, absolutamente toda vestida de preto, maquiagem preta nos olhos, e, sobre a mesa, o livro que estava lendo: Drácula, de Bram Stoker. Dark e safada.
O antigo Hotel Majestic* deve ter sido – estou entrando no espírito gaúcho – um dos lugares mais grã-finos da América Latina, das Américas, do planeta, da galáxia. São dois prédios (na Rua da Praia, é claro) iguais, lindos, majestosos, cor de rosa!, com uma galeria no meio e passarelas ligando um ao outro em vários dos sete andares, e, no topo, duas abóbodas cor de rosa!, numa das quais, a mais próxima do porto e do rio, funciona um gostoso bar. Avista-se ainda o rio, mas, infelizmente, entre o Hotel Majestic e o porto permitiram a construção, lá pelas décadas de 50 ou 60, de horrendos prédios modernosos que tiram parte do que seria talvez a vista mais deslumbrante da cidade. Mary, como se estivesse jogando Sim City, ficou implodindo os monstrengos.
*Há um livro sobre ele escrito por uma das descendentes do primeiro dono.
Mário Quintana, o Carlos Drummond de Andrade deles, viveu tempos no hotel de salões amplos, pé direito alto, portas imensas, mármore no chão. E então agora ali é o Centro de Cultura do poeta maior da terra. Tem oficina disso e daquilo, teatro, biblioteca, o escambau. No térreo, abrindo para a galeria situada entre os dois prédios, há três salas de cinema e um bando de bares e restaurantes.
Estávamos voltando do Gasômetro, uma noite, em direção ao hotel, quando tropeçamos, ali na galeria do Centro de Cultura Mário Quintana, com a abertura do 5º Festival de Verão do RS de Cinema Internacional. Já tínhamos ouvido falar do festival, e até ido umas duas vezes à bilheteria do cinema do Santander Cultural perguntar pelo folheto com a programação, cuja impressão e distribuição tinha atrasado. (Tem horas em que se tem a sensação de que Porto Alegre, afinal de contas, fica no Brasil.) Mas não sabíamos que a abertura seria naquele dia, e ali. Pois era.
Montaram na galeria um cinema ao ar livre, como se faz nesses projetos tipo Cinemagia: baita tela, caixas de som, cadeirinhas de armar enfileiradinhas. Pensamos em ficar por ali para ver não exatamente o filme de abertura, mas um pouco do clima; na metade da galeria, quando terminavam as cadeirinhas armadas, havia mesas e cadeiras de um dos restaurantes do lugar, um tal Café dos Cataventos. Sentamos ali para beber, comer, ver o clima – e até mesmo dar uma olhadinha sem compromisso no filme, já que a tela estava lá adiante de nós.
O filme de abertura era o Cantoras do Rádio, um bom documentário sobre as próprias, misturando depoimentos e apresentações delas hoje. O som não estava lá essas coisas, então me enfiei mais para perto da tela para ouvir um pouco dos discursos de apresentação; falou um garoto jovem, que imaginei ser o diretor do filme, e que dedicou, sensata e um tanto populistamente, a sessão inaugural ao porto-alegrense Lamartine Babo. Na verdade, o filme foi dirigido por Gil Baroni e Marcos Avellar; não sei qual dos dois estava lá e falou; falha de repórter ruim que sempre fui. Estavam presentes, e falaram, duas das cantoras mostradas no filme – Carmélia Alves, com seus 80 e tantos lépidos anos, e Ellen de Lima, igualmente lépida e fagueira.
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