2009 – Um turista acidental registra suas impressões
Ainda não é hora de falar de comida nem de táxi, mas o motorista de táxi que nos levou na primeira noite à churrascaria Barranco, um garotão, observou o seguinte: as cidades são todas iguais, o que é diferente é a comida. Lembrei do hippie de Easy Rider que diz que veio de uma cidade e, perguntado de qual cidade, responde apenas: “Uma cidade; são todas iguais”. Mas respondi para o garoto gaúcho que não é bem assim: não é toda cidade, por exemplo, que se dá ao luxo de ter um Guaíba.
São Paulo transformou o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí em esgotos. Belo Horizonte, tadinha, sequer tem um rio – tem só um ribeirão, o Arrudas, e a única lagoa, lembra a Mary, é postiça, foi invenção do JK no tempo em que o Nieyemer ainda não tinha a mania de acabar com a grama e todo tipo de vegetação pra cimentar o chão nos lugares por onde passa. (Pobres lugares por onde ele passa.)
Duas empresas, com tipos bem diferentes de barcos, fazem passeios pelo Guaíba. O Cisne Branco é um barcão elegante, tem deck superior ao ar livre com cadeiras e mesinhas, um grande salão envidraçado com mesinhas e cadeiras no pavimento médio, e um salão para festas e dança no deck inferior, quase abaixo do nível do rio – ou do lago, whatever. Faz dois passeios diferentes – um rumo ao Norte, às ilhas do Delta do Rio Jacuí, e um rumo ao Sul, à praia de Ipanema, os clubes de vela, quase até a Lagoa dos Patos, “dos sonhos, dos barcos, mar de água doce e paixão”, como diz a canção do Kledir e do à época poeta Fogaça, hoje prefeito reeleito da cidade. Sai do porto bem diante da Praça da Alfândega, perto de grandes prédios históricos, a duas quadras do Mercado Público. O endereço exato é Avenida Mauá, 1050 – Portão Central do Porto.
Tem um problema: o passeio das 18 horas só sai se houver um quórum mínimo de 20 pessoas. No primeiro dia em que fomos até lá na esperança de fazer o passeio, não deu nem metade do quórum. A garota do atendimento, simpaticíssima – e bonitinha –, nos avisou que o passeio das 15 horas sai todos os dias, sem depender de quórum. Fizemos o passeio, o do Delta do Jacuí, no dia seguinte; tinha cerca de dez pessoas, apenas, pouco mais que o número de tripulantes. Um único grupo reunia cinco pessoas: uma gauchinha, simpática, bonitinha e meio sonsa, o namorado alemão, os pais e o irmão dele. Lá pelas tantas a gauchinha veio falar com a gente, pedindo explicações geográficas: o sogro a enchia de perguntas e ela não sabia responder; nunca tinha feito o passeio de barco antes, e não sabia onde era o Norte, onde era o Sul. Demos explicações para ela, e depois para o próprio sogro, simpático alemãozão de Berlim com um inglês quase tão precário quanto o meu atual. (A gente encontraria o grupo outro dia, eles saindo e nós chegando para o passeio de ônibus de turismo.)
Há muitas ilhas, e lindas, verdíssimas, de grandes, belas árvores, no Delta do Jacuí, que nos fez lembrar bastante o Delta do Paranazão, antes de virar o Rio de La Plata, “mi Rio de la Plata lindo e sucio”, ao Norte de Buenos Aires. Em algumas delas há as tais mansões de ricaços, milionários, coisa cinematográfica. Uma das ilhas é a das Flores, que é, acho, aquela em que existe, ou existia, um lixão filmado nos anos 80 num curta-metragem que ficaria famoso, Ilha das Flores, do porto-alegrense Jorge Furtado, que depois faria os ótimos O Homem que Copiava e Meu Tio Matou um Cara. Lembro que Fernanda viu o documentário na Nova Horizonte e se apaixonou por ele. No passeio, não dá para ver o lixão.
Os outros barcos que fazem passeio pelo Delta do Jacuí e pelo Guaíba são dois irmãos gêmeos, Noiva do Caí I e Noiva do Caí II, bem menores e bem mais humildes que o Cisne Branco. Não têm a infra-estrutura portuária do Cisne Branco, cuja empresa tem escritório naquele ponto nobre e central do porto; ficam baseados na Ilha da Pintada, do outro lado do braço do Jacuí. Na hora dos passeios, atracam ao lado do Gasômetro. Não planejamos passear em um deles – foi um acaso. No final da tarde de sábado, véspera da nossa volta para São Paulo, estávamos no Gasômetro, para ver o povo aglomerado para assistir ao pôr-do-sol no Guaíba; precisávamos de um lugar para sentar, porque eu tinha dado uma canseira danada na Mary, propondo uma caminhada a partir do caixotão do Iberê Camargo até depois do estádio do Inter – e foram alguns bons não sei quantos quilômetros.
Foi aí que ouvimos um nego propagandeando, como os camelôs de antigamente: “Passeio no Guaíba para ver o pôr-do-sol no rio – só 5 pilas”. O preço normal é 10 reais, contra 15 do Cisne Branco, mas crise é crise, e neguinho estava ali tentando atrair freguês a laço. Grande liquidação para ver o pôr-de-sol no Guaíba. Topei na hora, claro; os caras atrasaram a saída, em busca de mais 5 pilas dali, 5 pilas daqui, mas o fato é que o barco saiu cheio, pouco depois de 18h30, o sol já quase no horizonte.
Ao passar junto de uma das ilhas, o barco, numa ação ecologicamente incorreta mas empresarial-turisticamente compreensível, apita aquele apito altíssimo de barco, e centenas e centenas de aves saem das árvores e voam no céu vermelho-laranja sobre o Guaíba, para delírio da turistada. Gaúchos passeavam em lanchas e em jet-skis, passando diversas vezes diante do barco, num show de exibicionismo.
No Cisne Branco, alto-falantes tocavam Credence, Dire Straits, Sinatra e bossa nova; no Noiva do Caí I (ou seria o II?), tocou sertanejo-brega. As pessoas eram classe média-média, ou média-baixa, e a maioria parecia ser gaúcha mesmo, do interior, enquanto os turistas do Cisne Branco são média-média para média-alta. Naquele fim de semana, Porto Alegre tinha sido invadida por uma multidão de gaúchos do interior, que foram participar, no Anfiteatro do Pôr do Sol, de uma reunião de evangélicos com música gospel e um pastor americano famoso pacas do qual jamais tínhamos ouvido falar.
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