Maria "Degolada"
Pela leitura de “20 Relatos Insólitos de Porto Alegre” do Rafael Guimaraens (Libretos), vejo que nossa capital é campeã em eventos insólitos, como em crimes misteriosos.
Tal qual o jeito pessoal do autor, as linhas por ele escritas correm da mesma forma: simples, diretas, meio acanhadas, nada de pompas, mas sempre penetrantes.
A ousadia fica por conta do jeito de escrever, não é apenas mais um bom jornalista de bom texto; é arte, é literatura, já um escritor - não pelos 16 livros - mas pelo modo de colocar as palavras e os fatos.
São relatos densos, das mais amplas temáticas humanas, vão da psicopatia social de um José Ramos (o açougueiro que na realidade nunca foi e suas linguiças com carne humana, nunca provadas) ao professor Hindu, passando por dramas pessoais, como a morte da viúva de Júlio de Castilhos, do amante morto pelo marido traído com as bênçãos da concubina.
E no livro vão aparecendo um a um, relatos de eventos insólitos desta Porto Alegre que parece ser a vanguarda do atraso: proibição de uma professora em denominar a escola de Machado de Assis, com apoio de próceres da intelectualidade local, vivas em editoriais da mídia, porque a obra inoculava venenos para atacar a moral e os bons costumes.
Conta a “Roda Viva” em que se meteram os atores e organizadores da apresentação da peça do Chico Buarque, mais ou menos como na sua letra:
“(...) A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino, pra lá (...)”
O mais bizarro relato é o caso dos defensores da moral e dos bons costumes que, munidos de apitos, tentam obscurecer as cenas tórridas, para a época, de amasso e sussurros com a Jeanne Moreau, bem como sua retirada em seguida de cartaz.
E tem um fato de vanguarda para os padrões porto-alegrenses de então que foi a ação do rábula Mário Cinco Paus (hoje, é nome de uma das ruas mais curtas da cidade). Mário defendeu as “mulheres de vida fácil” (nada fácil, por sinal) porque o delegado coibia a liberdade das “borboletas” de exercer o ofício de profissionais do sexo, obrigando-as a se esconder. Ganhou a parada do delegado porque, além de ser um bom “advogado”, havia um juiz que seguia as normas.
Fico sabendo também da menina que ficou famosa e conheci como Terezinha Morango por fazer strip tease no Bar Novidades, e depois desse episódio foi fechado.
Com os relatos, ficou claro que nunca houve açougueiro na Rua do Arvoredo (José Ramos) fazendo linguiça com carne dos amantes da esposa. Sim, esse psicopata matou um açougueiro e outros e foi devidamente condenado, pois encontrou um grande delegado, que depois desapareceu no Rio sem deixar rastros.
Fico sabendo da paixão sem limites do grande músico Araújo Vianna, que larga a amada, para não vivenciar o sofrimento, para aos poucos morrer de uma doença degenerativa; da passagem de Tyrone Power por Porto Alegre onde fica sem chapéu numa disputa de fãs; da trágica morte da “Maria Degolada”.
E ainda há outros eventos que com os citados mostram uma capital prenhe de fatos insólitos, cujos relatos pela ação do nosso escritor Rafael Guimaraes se tornam magistrais.
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